segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Mudando de assunto por causa da dor: Homenagem à uma mãe que se foi...

     Eu estava mentalmente preparada para escrever um post sobre professores, até receber uma notícia que mudou todos os meus planos. Afinal amanhã é dia dos professores, o tema tem tudo a ver com crianças e comigo que sou professora, tem assunto mais importante que esse?
Tem, tem sim. Agora há pouco recebo a notícia que me desestabilizou completamente: uma mãe que se foi...na verdade a mãe e o pai... um acidente de carro, uma fatalidade...
     Conheci a Flávia há vários anos atrás e não a via há muito tempo. Até que a reencontrei no ano passado, em Manaus, num evento para o qual fui convidada como palestrante para gestores de instituições sociais de todo o Brasil.
      Sua voz mansa, o jeito tranquilo de falar. Se pudesse resumir alguém em temas, resumiria o meu contato com ela em duas temáticas: a família, ser mãe e o seu desejo de servir ao próximo. A felicidade com que me contara sobre a família que agora tinha era algo tocante. Eu a conhecera ainda solteira. Agora tinha três filhos lindos, um casal de gêmeos e um menino mais velho. E também sua vontade de servir, o trabalho social que estavam começando, ela e o marido, as ideias que tinham, que queriam trocar comigo, aprender mais, fazer mais. Queriam trabalhar com a infância desamparada e já haviam iniciado esse percurso, mesmo com o desafio de criar os três filhos, queriam servir aos filhos do abandono...
     E agora há pouco soube que ela e o esposo foram levados embora, sem avisar, sem programar: voaram para os braços do Pai.
      Como diz tão lindamente um dos autores pelos quais me apaixono cada dia mais "a morte é uma brevíssima varanda. Dali se espreita o tempo como a águia se debruça no penhasco- em volta todo o espaço se pode converter em esplêndida voação.” Mia Couto
     E fiquei pensando, tentando elaborar, enquanto sofro e choro, em algumas coisas que mexem muito mais com a gente depois que temos filhos ( ou sobrinhos, ou afilhados,...).
     Acho que são duas as coisas que qualquer mãe mais teme: ir embora, morrer e deixar os filhos criança, sozinhos, órfãos. Foi a primeira coisa que pensei ao saber do que acontecera : Meu Deus, e os filhos????? E o medo que eles morram antes da gente  (saudades é arrumar o quarto do filho que já morreu. Para mim não tem trecho de música mais triste que esse nessa face da terra).
     Isso tudo para nós é como se fosse antinatural. Filho precisa da gente; quando não precisa mais a gente quer ir embora primeiro... É como se o tempo tivesse que sempre obedecer a lógica da cronologia que a gente acredita ser a certa: morrer velho, criança e jovem são eternos...Mas o tempo e a vida não podem ser presos nas nossas mãos, eles escorrem entre os dedos.

     Fico lembrando do primeiro orfanato do mundo que tive o privilégio de visitar na Itália. Lá ainda existem os pequenos relicários que as mães deixavam para tentar um dia buscar os filhos, abandonados anonimamente nas noites frias da Toscana. Abandonados na roda dos expostos, porque a fome iria mata-los, ou pela vergonha de ter um filho ilegítimo.
     As mães deixavam pequenas moedas cortadas ao meio, medalhinhas de santos, fitas. Chorei ao olhar aquelas pequenas lembranças corroídas pelos anos, porque se estavam ali eram sinal de que a mãe nunca voltara para buscar os pequenos "inocentes"...Viveram ali, morreram ali, longe das canções de ninar...
Algumas das pequenas relíquias deixadas pelas mães para tentarem identificar os filhos se um dia pudessem buscá-los...

As crianças enfaixadas, ou "innocenti" símbolos do orfanato
A Roda, aonde por 4 séculos os bebês eram abandonados nas madrugadas escondidos de todos...

 Trecho da inscrição:"Está foi por 4 séculos até 1875 a rota dos inocentes. Secreto refúgio da miséria e da culpa..."
Adicionar legenda
     E a partida da Flávia, assim tão de repente, deixando os pequenos para trás, me fez também e me fará ainda refletir um bom tempo, sobre o que ela (eu) teria feito com/pelos os filhos se soubesse.
     Fico pensando que a gente sabe que vai, mas não acredita não é mesmo? Sei que é um pensamento do momento, sei que o cotidiano vai voltar e eu vou voltar a fazer algumas coisas de sempre. Mas hoje, enquanto meus pequenos dormem tranquilamente e posso ouvi-los respirar, quero convidar você a pensar comigo no que importa... Não penso nessa hora no dinheiro que deixaria, no apartamento, carro ou passagens para as férias.
     A primeira coisa que me vem a mente, dentro do meu referencial de mundo, são as minhas orações por eles. Acredito que ficarão, mesmo quando eu for embora. Acredito que as minhas preces ao Eterno são eternas também, o seu "efeito" não acaba comigo. Acredito que meu coração de mãe que sonha coisas por eles e sonha junto com o Eterno, estende esses sonhos para a eternidade. E falo de sonhos de pequenas grandes coisas: felicidade, paz, saúde, vida simples com quem eles amarem de verdade, quem os ame de verdade, alimento e provisão necessária, só isso...ou tudo isso. É acredito que minhas orações ficarão... E que o mundo precisa ser reencantado. Mais uma vez dando voz ao Mia :“a vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado.” E  o mundo da racionalidade cética não nos ajuda entender as coisas da alma, da vida e do depois... Nossos filhos serão tocados na alma pelas  nossas orações!
     E as lembranças que quero deixar? Sempre penso em coisas simples. Não penso na viagem pra Disney, nos mil brinquedos de última geração, nos roupas de griffe. Penso nas coisas que fizemos juntos... No bolo que ajudaram a fazer derrubando farinha na cozinha toda, nos piqueniques no gramado, no acampamento no quintal que tenho planejado há tempo mas ainda não fizemos. No tempo em que estivemos e estaremos juntos de verdade. Em tentar me preocupar menos com as coisas no lugar certo, nos brinquedos guardados (tem coisa mais triste que os brinquedos que nunca mais sairão das caixas??). 
     Nos Congressos que não pude ou poderei ir, nos livros que não lerei porque estarei lendo "O menino maluquinho" pela décima vez. Ou nos filmes franceses que não verei para assistir " Está chovendo hamburguer" (vi hoje quando na verdade preferia ver "O Tempo e o Vento!"). Os sapatos a menos que comprarei (quantos pés nós temos mesmo?) porque tenho que pagar mensalidade de francês ou um tênis que se arrebentou na brincadeira e precisa ser trocado. E nas vezes em que me viram falando a verdade, devolvendo o dinheiro a mais do troco no caixa, ajudando quem precisa e sendo legal sem querer nada em troca e nem mostrar para ninguém.

     Deixo aqui minha homenagem a essa mãe linda que se foi... Deixo minhas orações pelos 3 pequenos que ficam, somadas, nas mãos do Eterno, às tantas  preces que essa mãe deixou para eles...

     E minha oração por você, por mim mesma, e pela nossa triste humanidade que cada vez mais esquece do que realmente importa, esquece da própria finitude, perdida em detalhes daquilo que é tão insignificante frente às questões da eternidade...

12 comentários:

  1. Lindo Post Silvana, que me emocionou D+ e me fez refletir... realmente se partimos hoje vamos deixar um referencial sem "defeitos" aos nossos filhos?... Será que estamos investindo nosso tempo em um tempo de qualidade pra eles? Obrigado por me fazer analisar meu comportamento como mãe em meio a essa trágica noticia. Que o Senhor Jesus conforte e ilumine os caminhos desses pequenos que ficaram. bjs

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    1. É Ana, precisamos aprender muito ainda, principalmente nesses tempos em que tudo nos desvia do que realmente é essencial. Bjs

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  2. Realmente precisamos rever nossos valores todos os dias... Que Deus nos ajude a vivê-los verdadeiramente!

    Que o Pai abrace essas crianças que a partir de hoje não terão mais o colo e aconchego de seus pais, é o meu clamor!

    Lindo Texto Sil, nos faz pensar, refletir nossas vidas, nosso fazer...
    Beijo grande
    Neliana Schulz

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    1. É Ne, só Deus mesmo. Como tudo isso tem mexido comigo... Que possamos fazer alguma coisa pelos que ficaram e por tantos, tantos outros que sofrem e nós nem sabemos, as vezes muito perto... Bjs

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  3. Triste né Silvana, muito triste. Acho que todos podem sentir o pesar que fica no coração desses pequenos, mas principalmente quem é mãe ainda sente o peito doer, formar um nó na garganta, um aperto no coração. Só quem é pai e mãe pra sentir o que é ir embora antes dos filhos, indo contra a natureza humana. É triste, dói pensar que nossos pequeninos ficam desamparados sem pai e mãe, pior ainda quando vão os dois. Como ficam os corações dessas crianças? Como será para eles acordar amanhã e não ter nunca mais aqueles que estiveram junto desde que nasceram.
    Dói muito pensar nisso, me arrepia pensar em deixar o Théo nesse mundo sem a minha proteção, sem o meu abraço, sem a minha presença por perto, ainda que ficasse com o pai dele... ainda assim dói. Dói pela falta que ele sentiria de mim, pois hoje fica o tempo todo comigo... é triste!!

    Só temos que orar e pedir a Deus que os guarde e que fiquem do lado deles familiares que possam confortar e ama-los com todo amor e cuidado que seus pais fariam até quando fosse preciso!

    Meus sentimentos a você e as crianças.
    Um beijo!

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    1. Muito difícil mesmo a gente elaborar essas coisas Karla. Depois que temos filho até nossos medos mudam, não é mesmo? A gente se sente insubstituível. Mas só Deus conhece os porquês... Grande beijo

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    2. Verdade, logo eu que não tinha medo de muita coisa, hoje em dia quase tudo é um susto.
      Mas um dia entenderemos os planos e os porquês de Deus.
      Outro beijo!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Como nós pais devemos nos preparar para educar! Fico pensando sobre como é fundamental investir no desenvolvimento emocional dos nossos filhos, para tanto nós precisamos conhecer mais sobre o assunto e preparar nossos filhos para a vida, para a vida hoje, agora, para que haja de forma independente e autônoma desde sempre, para que tenha autoconfiança e segurança o suficiente para enfrentar os desafios que a vida nos impõe, inclusive, frente ao desamparo na situação de morte. Tenho certeza que esta família se alimentou do amor de Deus e confiou-Lhe suas vidas...Todos ficarão bem! Kelly Moreira

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    1. E como é difícil investirmos em desenvolvimento emocional nos dias de hoje!! Acaba- se indo de um extremo ao outro, ou protege-se demais ou se solta em demasia. Só Deus para nos ajudar com sabedoria que humanamente não conseguimos. Bjss

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  6. É, Silvana, triste mesmo... Desde que tive meus filhos, nunca mais saí para uma viagem sozinha com a mesma tranquilidade. Ela é sempre dividida com um certo aperto no peito: e se eu não voltar? Também penso - e muito - nas memórias e histórias e valores que quero deixar quando eu me for (e tomara que seja bem demorado, pra dar tempo de ter muita recordação boa para meus filhos!...). Lindo texto! Que Deus conforte você e, principalmente, a família enlutada. bj

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    1. É Marcia, a gente pensa em tudo e se cobra por tudo não? Não é fácil ser mãe...Ainda bem que temos pessoas como você para ajudar na formação de pessoas de bem para as novas gerações!! Bjs

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