quarta-feira, 30 de outubro de 2013

"Onde está o papai?" Sobre ausências e presenças...

    Existem dias que alguns assuntos parecem que batem à nossa porta insistentemente, ou talvez prestemos mais atenção, recortando algumas coisas da realidade e olhando mais atentamente para elas.
      Ontem assisti a um clip muito interessante na minha aula de francês, de um cantor pop chamado Stromae, numa música intitulada "Onde está o papai?" (Papaoutai) que me fez pensar: "vou escrever sobre as coisas que a música reflete."  
(Se você quiser ver o clip clique no link http://www.youtube.com/watch?v=oiKj0Z_Xnjc)

     Hoje, lendo as notícias do dia, duas me chamaram muito a atenção: uma série de reportagens sobre a dificuldade das mães solteiras africanas criarem seus filhos na Europa. E logo depois me deparo com a notícia mais triste de todas: uma menina de 12 anos se suicida no seu quarto, na Polônia. O pai faleceu em 2009 e ela queria reencontrá-lo. A mãe encontrou o seguinte bilhete escrito pela menina:           
   Querida mamãe, por favor, não fique triste, é que eu sinto muito a falta do papai, e quero vê-lo novamente...

A menina polonesa Maria...



     Não tinha como não pensar mil coisas, tentando elaborar tanta informação complexa. Na verdade o post vai ser uma forma de pensar sobre algumas questões bem complicadas, difíceis de se abordar nos tempos em que vivemos.
  Até que ponto somos referência, pais e mães, referências essenciais no desenvolvimento emocional saudável de uma criança? Será que nossa sociedade está dando conta de tão grande responsabilidade?
     E aí lembrei de vários textos que li, e vou pensar um pouco a partir deles. 
E depois de tudo o que vi, hoje quero pensar um pouco sobre a figura do PAI na educação das crianças.
    Sempre tive uma baita admiração por mulheres que criam filhos sozinhas (por homens também, mas encontrei tão poucos pelo mundo afora). 
    Muitas delas dão conta do recado de uma forma surpreendente, até melhor do que famílias compostas por pai e mãe. Mas, com certeza, tem ombros muito fortes e  assumem o peso em dobro. 
    A primeira vez que prestei atenção mesmo nisso, foi quando coordenei um projeto social num bairro de periferia de uma grande cidade do interior paulista. Chamou-me muita atenção que metade das crianças eram educadas, criadas e sustentadas por figuras femininas, principalmente mães e avós. São o que chamamos de famílias "monoparentais" (geridas apenas por um dos genitores). O índice no Brasil de famílias com essa configuração está perto dos 20%. Interessante que na zona rural não chega a 10%. 
   Não quero fazer aqui grandes elucubrações teóricas sobre essa realidade. Mas com certeza fica a pergunta: porquê uma parcela dos homens na nossa sociedade, tende a não assumir a responsabilidade pelos filhos? Não pretendo responder essa questão aqui, tenho algumas hipóteses, mas seriam necessários quinhentos posts para tentar analisar algo tão complexo.
    O que quero pensar, mesmo que rapidamente, é sobre a importância desse papel para a formação da criança (e muitas vezes ele é muito bem desempenhado por outras figuras que não propriamente a do pai biológico). E quem sabe levar algum pai a refletir  ou algum futuro pai a assumir seu papel.

     A criança precisa de um Outro para formar sua visão de mundo e precisa da figura que represente o pai (assumo que estou partindo de uma visão psicanalítica). 
    Alguns autores como Bauman, Dufour e outros vão falar que na nossa sociedade há o declínio do Pai, em sua dimensão simbólica, e das suas formas figurativas, seja da Pátria, do Pai celeste, ou qualquer outra. E vão dizer que isso tem consequências bem complicadas no desenvolvimento humano e nas formas como construímos nossas sociabilidades... 
    Bauman vai além, analisando que tiramos também a morte e a eternidade dos nossos cotidianos. Agora vivemos como imortais e apenas para o "aqui-agora", para o hoje (já estou escrevendo um post sobre isso que é  um assunto interessantíssimo). 
      Não há mais uma figura maior. Aquela que nos momentos de crise nos pega no colo e acalma, ao mesmo tempo que representa  a "lei", ou aquilo que não podemos transgredir. Com maior ou menor liberalismo, quase todos vamos concordar que deva existir algum limiar que não possa ser transgredido, seja ele qual for, que seja em ultima instância o direito a vida de todos. 
    Sem os referenciais e os exemplos a serem seguidos, essenciais na infância, as crianças são "soltas" no mundo, tendo que se definir por elas mesmas, sem onde se apoiar e se espelhar. E eu só me construo como EU a partir do olhar desse outro.
     Profundo pensar que, diante de tudo isso, a "submissão a si mesmo talvez seja mais pesada de sustentar do que a submissão ao outro" (DUFOUR).
    Até os autores libertários defendem que a educação da infância só pode chegar na liberdade se partir da autoridade (diferente de autoritarismo) e a liberdade for aos poucos sendo construída.


     As crianças precisam de uma mediação. Hoje, muitas vezes, a família tem jogado essa responsabilidade para as escolas que, por sua vez, reclamam eternamente que não tem nada a ver com isso. E as crianças vão se criando... Angustiadas, sem mediação, sem papéis a observarem e a seguirem. A maioria dos povos indígenas é mais sábio que nós, educando pelo convívio e pelo exemplo, cozinhando juntos, caçando juntos, celebrando juntos...

    Alguns autores vão ao extremo de dizer que, em alguns casos, a falta da figura do Outro-Pai, pode impulsionar a criança/adolescente a juntar-se ao "bando", à "gangue" e às seitas, na busca do outro e da figura do Líder-Pai.      
    Vale a pena assistir o filme "A Onda", que mostra um pouco como a figura do PAI-LÍDER pode conduzir a ações de violência, quando mal direcionados.  
    
     
     Alguma coisa está errada quando lemos que nos EUA há 2,5 milhões de prescrições de antidepressivos para crianças e adolescentes.

       Precisamos estar atentos. 
    A ausência é pior que alguns excessos (excluindo-se é claro, qualquer forma de violência). Claro que nenhum dos dois é o ideal. Sempre que lembro de algum excesso de autoridade por parte do meu pai, penso: não precisava ter feito assim, mas foi para o meu bem, ele queria o melhor para mim. E não carrego nenhuma mágoa ou dor. Mas penso que, se a lembrança fosse das ausências (ainda bem que não foram), teria um imenso poço de tristeza e um vazio sem explicações, apenas porquês...
    Assisti há um tempo atrás um documentário no GNT sobre pais, e me chamou muita atenção um homem de mais de 40 anos que não conhecera o pai e o procurava insistentemente. Todas as vezes que ia para a cidade onde seu pai deveria, em tese, morar, olhava para cada rosto masculino pensando: será esse o MEU PAI? 


    É, para alguns pode ficar a ausência eterna de um papel nunca ocupado, uma cadeira vazia nunca preenchida nas festinhas de aniversário, nas comemorações da escola, na hora de dormir com a plaquinha: MEU PAI...

    E para os que são ou serão pais, nunca deixe sem resposta a pergunta de uma criança: onde está o meu pai?



PS- Recomendo fortemente esse filme, sobre ausências e presenças paternas...













5 comentários:

  1. Só para variar amei o artigo!!rsrsr Muitas verdades a serem refletidas minha amiga! Pai como figurino é fácil. Além da dificuldade de pais em assumirem o seu papel e se fazerem presentes na vida dos filhos, há outras, uma delas é quando a mãe não consegue permitir a entrada do pai na relação parental. Algumas mães tem ganhos secundários e/ou uma personalidade controladora e dominadora, o que dificulta também o processo da parentalidade.
    Ser pai e mãe ,é um estágio crítico a ser atravessado e que, frequentemente, coincide com o fim do romantismo entre os casais. É são muitos os desafios!! grande beijo!

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    1. Que bom que você gostou!! Escrevi meio que num impulso depois de tanta coisa acontecendo.
      Imagino o desafio de vocês que atendem essa realidade nos consultórios, não deve ser fácil! Bjs

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  2. Silvana, parabéns seus artigos são ótimos e abre nossos pensamentos para as reflexões que fazem parte do nosso cotidiano e no mundo atual. Sempre compartilho com a Escola Sesi e tem sido um sucesso! Adoro suas colocações. Um abraço.

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  3. Meu pai sempre oscilou entre esses extremos: do autoritarismo à ausência. Acho que quando eu e meu irmão ficamos adultos, já na faculdade, é que ele conseguiu um meio termo - o da amizade. Penso que meus pais (os dois!) erraram muito, foram muito ausentes e absolutamente débeis em suas argumentações autoritárias que claramente jamais consideravam as minhas necessidades e as de meu irmão. Minha mãe falhava por sucumbir ao autoritarismo do meu pai e não se posicionar, coisa que ela não faz até hoje. Mas com tudo isso, ainda penso que "PELO MENOS" isso tudo gerou bons resultados: eu e Cadu (irmão) não viramos nenhum "revoltadinho de Shopping Center" e procuramos construir nossas vidas alicerçadas no que é correto. Hoje em dia, vejo pais com uma forma de criação muito distinta da que eu tive e vejo seus respectivos filhos com posturas que eu não desejaria para Gigi: filhos irresponsáveis, respondões, trapaceiros etc. Não tenho dúvidas de que a presença de uma autoridade que media as relações de crise, que orienta e também protege é o que gera cidadãos que admiro.

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    1. Difícil pensarmos na "fórmula" que faz far certo a criação das pessoas. Mas tenho visto muitos problemas por conta do excesso de licenciosidade, assim como pelo excesso de autoritarismo e violência. O duro é sabermos o meio termo!! Nunca tenho muita certeza disso no dia-a-dia. Mas vamos tentando... Bjs

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