quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Nada é errado se te faz feliz: sobre o sentido da felicidade em tempos líquidos

      Num dia desses deparei-me com a frase abaixo sendo compartilhada nas redes sociais e fiquei com um incômodo ao pensar no significado por trás de uma simples afirmação.


      Tanta coisa solta hoje em dia nas redes sociais, muita coisa compartilhada sem que nem tenhamos lido direito e refletido mais profundamente sobre aquilo. Com certeza todos nós já fizemos isso alguma vez.
     Mas essa frase me incomodou em especial, talvez porque me fez pensar sobre algumas coisas que considero muito importantes para nós e para a educação das novas gerações:

- O que é ser feliz? ?
- Qual felicidade buscamos??
-Será que devemos educar para essa felicidade propagada atualmente??

     Talvez uma das coisas que primeiro pensemos, se nos perguntarem o que queremos para os nossos filhos, será: que sejam felizes!  Eu mesma sempre penso e falo isso.
Mas o que é ser feliz? Será que alguém é feliz 24 h. por dia?

    Lendo esses tempos atrás um livro sensacional chamado “A Arte da Vida”, do Bauman, (já viram que sou fã de carteirinha desse sociólogo velhinho de 87 anos , não é mesmo?) me deparo com uma interessantíssima discussão sobre a felicidade. Na atualidade se veicula  que a felicidade e o dinheiro são quase irmãos siameses. Bauman cita no livro inúmeros relatórios de pesquisa que comprovam que a melhora dos padrões de vida está associada não a um aumento, mas a um DECLÍNIO do bem-estar subjetivo.
     A partir do momento que se tem o essencial, a felicidade do milionário não é maior que a da classe trabalhadora!
      Mesmo que você se assuste, pensando em como seria feliz vivendo sem trabalhar, o ano todo num iate de luxo nas Ilhas gregas, aumentar renda comprovadamente NÃO aumentaria a sua felicidade.
     Estive pensando nisso também ao acompanhar as notícias do "ex-astro mirim”, Justin Bieber, no Brasil por esses dias. Com todo o dinheiro do mundo, sai a noite desvairado buscando diversão, que vai do sexo sem compromisso a transgressão, “pichando muro para se sentir feliz..." Ou o empresário paulista em depoimento veiculado em vídeo pela Veja, buscando criar uma identidade do mais-feliz-bem-sucedido-do-mundo com roupas, carro importado, champanhe (mesmo que prefira vodka,rs). Tudo isso para aparentar ou buscar a felicidade eterna...

     Não acredito nesse sentido de felicidade que é alardeado na nossa pós-modernidade. Felicidade do EU em primeiro lugar.

       Segundo a frase que citei no início desse texto, subentende-se que, se não é errado o que me faz feliz  EU posso transgredir o limite do outro. Se EU for feliz não importa a felicidade do outro... A felicidade hoje vem sendo atrelada a duas bases sem sustentação:  a primeira é que eu devo ser eternamente feliz, sem ser frustrado nunca, e a segunda que essa felicidade pode ser comprada nas prateleiras dos supermercados do consumismo...
     E aí penso como muitas de nossas crianças vem sendo educadas...
    Nunca vou esquecer do meu aluninho, há muitos anos atrás, um “anjinho” de 5 anos, com lindos cabelos loiros, que me ameaçava todas as vezes que tinha que cumprir alguma coisa que não gostava: “ se você me mandar fazer isso vou dizer para o meu pai que você me bateu...” E o pior é que eu corria o grande risco de o pai acreditar. Na mesma turminha fui ameaçada por uma mãe que acreditou na história da filhinha de 5 anos, que eu havia jogado a filhinha angelical (pasmem!!) dentro do vaso sanitário!!! "Detalhe", as crianças não são anjos e também mentem...
   O mesmo pai e mãe que compravam um presente por dia para que os pequenos aceitassem quaisquer regras, como comerem razoavelmente bem, ou irem a escola. Não podiam ser contrariados, não podiam se sentirem infelizes os pobres “tiranos”... Qualquer episódio da série Super Nanny comprova tudo isso em poucos minutos.
    Junto a essa busca incessante pela “felicidade” atrela-se a ideia de prazer. A grande máxima é : “Se me der prazer serei feliz, se for feliz é certo”. As consequências disso tudo, começando na infância e percorrendo a história das vidas, serão intercorrências muito complicadas para nossa sociedade.
     Será que algumas alarmantes realidades do nosso tempo, tão desprovido às vezes de humanidade, tão violento, não tem a ver com isso também? (e a inúmeros outros fatores que não me cabe aqui analisar).
    Alguns dias atrás saíram índices que comprovam  um aumento em 20% dos casos de estupro contra mulheres no Brasil. Não dará prazer? Não trará felicidade individual, mesmo que momentânea, mesmo que independente do outro? E o corpo da mulher mais uma vez é considerado objeto...

    Os índices de medicamentos, drogas “lícitas ou ilícitas” para  as “dores emocionais” que aumentam vertiginosamente a cada dia também apontam para essa realidade. Não fui frustrado na infância, não posso ser “infeliz”, não posso sentir dor... E nos laboratórios se cria a ilusão da felicidade eterna, mesmo que vinda de um comprimido colorido... Uma amiga ginecologista me disse, tempos atrás, que aparecem inúmeras adolescentes no seu consultório pedindo anti-depressivos porque terminaram o namoro na semana passada. E ela responde, talvez sem encontrar eco: "menina, sofrer por amor faz parte da vida e do seu crescimento." E muitas seguem para o consultório ao lado, na busca da cura fácil para as dores de amores...

     Detesto qualquer pseudo-teoria educacional que diga que as crianças não podem ser frustradas nunca. Nossa vida tem momentos acinzentados, preto e branco, sépia e coloridos também, e a vida de nossos filhos igualmente. Devem aprender a perder, a sofrer e a sentir dor, mesmo que nossa tendência de proteção queira muito poupá-los, mas a vida não os poupará.

    Faz parte da vida, do adulto e da criança, sentir medo, ansiedade, ser frustrado, receber vários "nãos", vivenciar a morte e a finitude, seja de relacionamentos, seja da própria vida. E aprender a ser gente melhor com tudo isso...

   Termino citando o velhinho polonês que expressa, muito melhor do que eu, e de forma tão simples, o que penso sobre felicidade:


“Qualquer que seja a sua condição em matéria de dinheiro e crédito, você não vai encontrar num shopping o amor e a amizade, os prazeres da vida doméstica, a satisfação que vem de cuidar dos entes queridos ou de ajudar um vizinho em dificuldade, a auto-estima proveniente do trabalho bem-feito... “nada vai substituir “reunir-se em torno de uma mesa com comida preparada em conjunto para ser compartilhada, ou ter uma pessoa que nos é importante ouvindo com atenção uma longa exposição de nossos pensamentos, esperanças e apreensões mais íntimos, e provas semelhantes de atenção, compromisso e carinho amorosos...”  (BAUMAN, 2009,p.14 e 15 )